"Cheguei ao pé do meu pai e enrosquei-me debaixo do braço dele. "Soube-te bem o pudim?". (...) "Não me parece que tenhas gostado muito.". Sorri, "não é isso. Quando tu estás a comer alguma coisa que gostas muito, comes tudo de uma vez ou vais comendo aos poucos para demorar mais tempo e poderes aproveitar mais essa coisa que gostas?"
 
Lembro-me da expressão do meu pai como se fosse hoje. Tenho quase a certeza que o pânico se instalou na cabeça dele pelo facto de um pudim ter originado aquela questão na minha cabeça. "Se tem esta inquietude por causa de um pudim, o que vai acontecer quando tiver de comprar casa". Quase que consigo adivinhar.

(...) Fez-me sinal para caminharmos à frente do mar e lá fomos. "Sempre que te apetecer comer um pudim (ou outra coisa qualquer, mas neste caso foi o pudim, vamos continuar a falar do pobre do pudim), não te preocupes se comes mais depressa ou mais devagar. Vai haver alturas em que seja um pudim ou uma açorda, terás tão pouco tempo para comer que essa questão não se coloca. Nem te sei responder se como as coisas que gosto mais depressa ou mais devagar. Sempre que quiseres comer um pudim, ou outra coisa qualquer, não te preocupes com o tempo que vais ter para saborear. Preocupa-te só em que seja o melhor pudim, preocupa-te com o que gostas no pudim. Se o fizeres, mesmo que não o consigas comer quando queres, vais conseguir sentir-lhe o cheiro e o sabor porque o aproveitaste. Aproveitar não tem a ver com tempo, tem a ver com detalhe e intensidade de sentir. O importante é: não te preocupes se o pudim acaba. Ele vai acabar, eventualmente. Preocupa-te só com o que sentes quando o comes para que ele nunca acabe em ti, quando te lembrares dele."

Ao meu pai, por me ter ensinado a ver a vida num pudim. Por me dizer que doçura é coisa que se sente de olhos fechados e que os melhores sabores da vida, mesmo que nem sempre consigam ser sentidos, conseguem ser para sempre lembrados."